Meus oito anos
Casimiro de Abreu
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
Saiba mais sobre o Romantismo:
https://www.infoescola.com/livros/meus-oito-anos/
https://www.infoescola.com/literatura/romantismo-no-brasil/
Se Eu Morresse Amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã…
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Publicado no livro Poesias de Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1853). Poema integrante da série Poesias Diversas.
Saiba mais:
https://www.infoescola.com/literatura/ultrarromantismo/
https://www.infoescola.com/literatura/alvares-de-azevedo/
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES:
O poema Se eu morresse amanhã, de Álvares de Azevedo e Meus oito anos de Casimiro de Abreu poetas cujas obras são estudadas no contexto da segunda geração romântica serão usados para compreendermos a produção literária do período.
O Romantismo brasileiro aconteceu no período de 1836 a 1850 e, tradicionalmente, a produção literária da época é dividida em três gerações: nacionalismo, ultrarromantismo e condoreirismo. A primeira correspondeu ao desejo de valorizar a temática nacional em oposição à portuguesa e, para alcançar tal objetivo, inspirou-se em lendas do passado e na glorificação do indígena. A segunda – tema destes textos – caracterizou-se pela corrente individualista a que aderiram autores como Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, Visconde de Taunay. Já a terceira anunciou o movimento literário seguinte, muitas vezes por meio de textos de cunho abolicionista e republicano; nesse grupo, encontramos poetas como Castro Alves.
Os textos da segunda geração romântica refletem a obsessão pela morte, pela melancolia, pela dor dos amores não correspondidos, pela lembrança da infância. A morte é vista, nessa geração, como a única saída para o descontentamento do eu lírico. O poema Se eu morresse amanhã, de Álvares de Azevedo, é bastante representativo desse momento.
O texto é parte de uma coletânea publicada em 1853 – um ano após a morte de seu autor – e intitulada Lira dos vinte anos. É importante observar que todo o texto é construído a partir de uma hipótese – o que, gramaticalmente, é obtido por meio do subjuntivo. Esse modo enuncia a ação do verbo como “algo eventual, incerta, irreal, em dependência estreita com a vontade, a imaginação ou o sentimento daquele que o emprega. Por isso, as noções temporais não são precisas como no indicativo” (CUNHA & CINTRA, 2008, p. 487). No título do poema, podemos perceber a preocupação do eu lírico em relação ao seu futuro e ao de sua família caso viesse a falecer. Uma das características mais marcantes do movimento romântico é a idealização e o eu lírico fantasia sobre o momento de sua morte: como seus familiares se comportariam naquela situação?
Álvares de Azevedo morreu de tuberculose aos 21 anos e expôs sua doença em muitos de seus textos, como em Lembrança de morrer (“Quando em meu peito rebentar-se a fibra…”). Em Se eu morresse amanhã, aparece a incerteza sobre o futuro; ao contrário dos outros jovens de sua idade, o eu lírico (talvez uma representação do próprio poeta) não viveria nenhuma glória e, por isso, evocava a própria morte:
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Ao mesmo tempo em que lamenta por uma morte tão prematura, ele também a exalta como solução para a dor física que o atormenta. O escapismo – uma das características do Arcadismo e do Romantismo – é o desejo de fugir a uma situação conflituosa; no texto de Azevedo, o eu lírico livrar-se-ia da dor se morresse.
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
FONTE ADAPTADA: https://conversadeportugues.com.br/2016/09/se-eu-morresse-amanha-a-segunda-geracao-do-romantismo/
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